Peça: “E A VIDA CONTINUA 2”
Autora: DIANE LEE
Personagens:
Moacir –
atendente do hotel que assim
como na primeira estória, é o elo de ligação das mesmas e que,
aos poucos também vai interagindo com o público, agindo ao mesmo
tempo, como espectador e participante.
Josué – gerente do hotel há
quinze anos, e que confia muito em Moacir.
Antonia
– uma das camareiras mais antigas do hotel, junto com Margarida,
sua companheira de trabalho e amiga.
Margarida
– outra das camareiras do hotel, amiga e companheira de trabalho
de Antonia.
Érika –
personagem da primeira
história, um jovem travesti que assumiu sua condição feminina e
é apaixonada por seu namorado gay Marcão/Monika,.
Marcão/Monika
– personagem da primeira
história, namorado de Érika, um gay assumido que teve um caso
recente com um bissexual, que o conhece por seu apelido Monika.
Eduardo/Dudu –
personagem da primeira
história, um bissexual que teve um caso recente com Monika e sua
namorada não sabe.
Flávia – personagem da primeira história, namorada de Eduardo, que descobre
seu caso com Monika e que ele é bissexual.
Christine
– personagem da segunda história, apaixonada por seu noivo
Felipe e que terá uma grande decepção às vésperas de seu
casamento.
Felipe – personagem da segunda história, noivo de Christine, que apesar de
amá-la, tem medo do compromisso e nas vésperas do casamento, a
abandona.
Bailarina e
Mascarado – ambos personagens
da segunda história, que fazem parte da imaginação de Christine
e que através da mágica da dança, ajudam-na a entender e
resgatar seu grande amor.
Lucas Fontana
– personagem da terceira história, um assassino profissional que
após quinze anos matando gente, decide parar e entra em crise
por ter matado seu único filho, sem saber.
Detetive
França – personagem da terceira
história, que persegue Lucas há quinze anos e aproveita a
fraqueza do assassino para pegá-lo.
Vovó Ruth
– personagem da quarta história, que é muito ligada a seus netos
Mariana e Daniel, e é incompreendida pela sua filha Fernanda.
Fernanda
– personagem da quarta história, filha de Ruth e mãe de Mariana
e Daniel, que não compreende sua mãe e está sempre em conflito
com ela e com seus dois filhos; é autoritária e esnobe.
Mariana e
Daniel– personagens da quarta
história, filhos de Fernanda e netos de Ruth,, e ambos se dão e
se entendem melhor com a avó do que com a mãe.
PRÓLOGO
(O palco vai se iluminando aos
poucos e aparecem em cena Moacir, o atendente do hotel, e as
duas camareiras, Antonia e Margarida; ele está dando instruções
a elas:)
MOACIR –
Vocês
entenderam? É só isso por enquanto, obrigado.
(As duas se retiram cochichando
uma com a outra: )
ANTONIA –
Puxa...O Moacir agora é o braço
direito do patrão. Que moral, hein?
MARGARIDA
– Pois é...Quem diria... Mas o rapaz merece, ele sempre foi
muito dedicado e responsável, né? Bom, agora é melhor a gente
correr porque precisamos arrumar os quartos e dar uma ajuda na
cozinha com o almoço.
ANTONIA –
Vamos! (e saem de cena)
(Nesse instante, aparece na
recepção do hotel um estranho casal e se dirige à Moacir: )
MOACIR –
Pois não, vocês gostariam de um
quarto?
MARCÃO
– Sim, pode ser um quarto de casal simples, por favor.
ÉRIKA
– Ai, meu amor, este lugar não é
maravilhoso? Esse ambiente rústico dá um toque de classe
aqui...Ah! E nós vamos querer a suíte principal, ao invés de um
quartinho simples, viu, meu coração? Sabia que você é uma
gracinha? (Marcão dá uma beliscada nela) Ai,
amorzinho, não precisa ficar com ciuminho... (fala olhando
pra ele e pegando no seu rosto:) quem é o meu pavê de
chocolate, hein?
MARCÃO
– (dá uma disfarçada e fala:) Bom, nós estamos
muito cansados e gostaríamos de nos acomodar, por favor.
MOACIR
– Claro, senhor, deixe-me ajudar com as suas malas.
ÉRIKA
– Cuidado com minha bagagem meu bem. Afinal, são só umas
coisinhas básicas que eu trouxe desta vez...
(Moacir pega
só metade da bagagem pois eram muitas malas; chegam ao quarto e
ele fala para Marcão: )
MOACIR –
Pronto,
senhor. E aqui está a chave do 201. Se precisar de alguma coisa,
é só chamar, pois na ausência do patrão, sou responsável por
tudo e também pela sua satisfação. Nosso lema é “fazer nossos
hóspedes felizes”.
(Érika dá um pulo e fala para
Moacir: )
ÉRIKA –
Ai, é
mesmo? Você quer mesmo me fazer feliz, me satisfazer? Que menino
levado!!! Mas é assim que eu gosto...
( e sai dando uma risada
maliciosa... Marcão interrompe e fala para Moacir: )
MARCÃO –
Não dê
atenção para ela, está empolgada desde que chegamos na cidade.
Tome (dá uma nota de
R$20,00 para Moacir, que fica feliz e espantado ao mesmo tempo)
Isso é por ter sido gentil e atencioso conosco. Obrigado.
(Moacir agradece e volta à
recepção; fica pensando:)
MOACIR –
Puxa...Mas
que casal estranho. Acho que a esposa não é bem uma mulher e o
marido...bem, o que posso dizer? É no mínimo, bizarro! Espero
que gostem da nossa suíte... Nossa, já são quase meio-dia! Será
que as camareiras já aprontaram o resto dos quartos?
(O palco vai escurecendo no lado
da recepção)
PRIMEIRA CENA
(O palco vai se iluminando no
lado do quarto e aparecem em cena Érika e Marcão: )
MARCÃO –
Puxa vida,
Érika! Você devia ser mais discreta com essas suas exigências,
né? Para quê um quarto desse tamanho, uma “suíte principal”? Um
quarto simples chegava pra nós...(pega
nas malas indignado e as derruba no chão novamente em protesto:
)
E para quê
toda essa bagagem? Parece que vai ficar um ano na China! Só
faltou trazer o seu cachorrinho Juju também.
ÉRIKA
– Ah, não precisa exagerar, né? Eu só trouxe umas coisas básicas
que sempre carrego comigo quando viajo e não posso ficar sem
elas. E quanto a Juju, ela é uma c-a-d-e-l-i-n-h-a e não um
cachorro, viu? (com
uma risadinha maliciosa diz: )
Afinal, você não aprendeu a diferença entre meninos e meninas?
MARCÃO –
Tá bom...
(olhando para as
coisas dela fala irritado: )
Mas o que é
isso? Você trouxe toda sua coleção de cremes e de lingeries, é?
Acho que você está me confundindo com um carregador de malas,
né?
ÉRIKA –
Ai, mas
como você reclama, hein... parece até meu pai...(fala
consolando: )
Afinal, eu tenho que estar sempre bem bonita para o meu
pavezinho de chocolate... E falando nisso, tenho uma surpresa
pra você, meu amor: adivinhe?
MARCÃO –
Nem imagino
o que você está inventando agora...
ÉRIKA –
Então eu
digo: vou satisfazer sua fantasia, meu bem. Aquela que você vive
me pedindo, lembra? Pois hoje você vai ter esse prazer.
(fala com ênfase: )
SÓ COMIGO, EUZINHA INTEIRINHA PRA VOCÊ!
MARCÃO – (surpreso: )
Sério? Ai,
meu bem, não vejo a hora... mas você comprou mesmo AQUELA roupa
que eu te pedi? Nossa.... Eu vou vibrar!
ÉRIKA –
Tudo para
satisfazer meu homem! (fala se dirigindo para a lateral do palco:)E
já que estamos aqui, vou me trocar agora mesmo. Me aguarde,
querido, e quando voltar, sua coelhinha vai estar pronta para
comer seu pavezinho de chocolate...
MARCÃO –
(entusiasmado: )
Mal
posso esperar...
(fica em cena apenas Marcão; ao
mesmo tempo, chega um rapaz na recepção e pergunta por Marcão;
Moacir responde que ele está hospedado no 201 e ele se dirige ao
quarto mesmo sem ser anunciado; bate na porta e Marcão vai
atender: )
MARCÃO –
Mas quem
será?
(quando ele abre a porta dá de
cara com Eduardo ou Dudu, como era conhecido por Marcão e se
surpreende: )
MARCÃO –
Dudu! O que
você está fazendo aqui? Tá louco? Eu estou com a Érika...
DUDU –
Mas,
Monika, você marcou de nos reeencontrarmos hoje aqui, neste
hotel, lembra? Ou você esqueceu?
MARCÃO/MONIKA –
Eu marquei?
Então era com você? Eu achei que era com a Érika... Puxa..mas
que confusão eu fiz...eu não quero que ela descubra sobre a
gente...afinal estamos juntos há mais de 10 anos e é como se ela
fosse minha mulher , entende?
DUDU
– Eu entendo, mas e o nosso caso? Eu estou gostando muito de
você.. e minha namorada também não sabe...o que vamos fazer?
(de repente, Érika grita lá de
dentro: )
ÉRIKA – Quem está aí, meu bem?
MARCÃO – Nada, minha querida. É
só o serviço de quarto.
ÉRIKA – Então, me aguarde que eu
já estou indo, meu doce...
MARCÃO – Não se apresse, amor!
(dirigindo-se para Dudu: )Olha,
é melhor você ir embora que depois eu te ligo e resolvemos isso.
Afinal, eu disse pra você que minha “mulher” era muito ciumenta,
né?
DUDU –
Eu sei o
que você me disse,Monika, e também não quero estragar meu
namoro, mas essa minha fantasia é incontrolável e eu não vou
sair daqui sem resolver isso com você...
MARCÃO/MONIKA –
Eu já não
te disse que ficar em cima do muro não dá certo? Ou você é ou
não é, entendeu? Esse negócio de bissexual não está com nada,
você tem que se definir: o que você quer, afinal?
DUDU –
Ah... Isso
eu não sei. Mas, no momento, eu quero VOCÊ!
(nisso, chega Érika, vestida de
colegial, que se surpreende com Dudu: )
ÉRIKA –
Mas o que é
isso? Quem é você? (fala para Marcão, indignada: )Marcão,
quem é esse bofe e o que ele tem a ver com você?
MARCÃO
– Erika,
esse é o Dudu, um amigo meu.
ÉRIKA –
(desconfiada e muito
irritada: )
Amigo, é? Você pensa que eu nasci ontem?
(dirigindo-se para Dudu: )
E você, seu bofe horroroso? Tem a coragem de vir aqui no nosso
quarto sem autorização e vai entrando assim... quem você pensa
que é, hein?
DUDU
–(já muito nervoso: )
Bom, a verdade é que eu sou bissexual e que eu e o seu “marido”
transamos uma vez e eu vim até aqui porque achei que iria
encontrá-lo novamente. Pronto, falei!
(se dirigindo para
Marcão/Monika: )
Não era isso que você queria, Monika? Que eu me assumisse?
Então, eu admito: estou louco de tesão por você e quero mais!
ÉRIKA –
(histérica: )
Monika? Mas, que raio de nome ridículo é esse? Isso é nome de
drag queen falida!(falando
para Marcão: )
Eu nunca pensei que você fosse me trair, Marcão... Ai, eu quero
morrer...(senta na
cama e começa a chorar e Marcão vai consolá-la: )
MARCÃO –
Deixa eu te
explicar, amor: eu não te traí realmente, eu só estava ajudando
esse rapaz a se decidir e mostrando o quanto é importante ele
não ficar em cima do muro. Mas eu não sinto nada por ele, e isso
não significou nada pra mim.
(fala com carinho para ela: )
VOCÊ é que importa pra mim!
ÉRIKA –
(chorando: )
Ai, meu amor, eu nem sei mais o que pensar.. como vou poder
confiar em você agora? Afinal, de qualquer jeito, isso foi
traição. (fala
irritada: )
E eu detesto ser traída, ouviu? Ainda mais por um bofe horroroso
desses...
DUDU –
Peraí..
bofe horroroso, não, viu?
(enquanto isso, chega na
recepção do hotel uma moça procurando Eduardo/Dudu e adentra sem
permissão no quarto onde todos estavam: )
FLÁVIA – (entra e vai falando
indignada e surpresa para Eduardo, seu namorado: )
Mas o que está acontecendo aqui, Eduardo? Quem são essas bichas
aí? E o que você
está fazendo aqui, junto com elas?
EDUARDO/DUDU –
(fala
mansamente tentando acalmá-la: )
Minha querida, não é nada disso que você está pensando...
ÉRIKA –
(interrompe e fala: )
Como não é nada disso? É sim!
(dirigindo-se para Flávia: )
Minha filha, infelizmente seu namorado não é o que
parece...Digamos que ele tem um gosto extravagante para a vida
sexual dele e VOCÊ definitivamente NÃO é a praia dele.
MARCÃO/MONIKA –
Pois é.. há
um mês, ele foi até a nossa boate gay, minha e da Érika,
e me
procurou no fim do show e disse que queria sair comigo pra tirar
uma dúvida sobre suas preferências sexuais e aí nós saímos.
(falando para Érika: )
Me perdoe, querida, mas foi só uma vez e será a última... Bom,
depois disso, ele vivia me ligando, mas eu nunca escondi dele
que vivia com a Érika e que eu a amava, mas ele quis me
encontrar novamente, então decidi sair da cidade por uns dias e
aqui estou. Provavelmente, ele me seguiu e veio até aqui na
esperança de me encontrar, mas infelizmente deu no que deu, né?
Agora vocês já sabem de toda verdade.
ÉRIKA –
(dirigindo-se para
Marcão muito emocionada: )
Ai, meu
amor, foi a confissão mais linda que eu já escutei! Depois
dessa, é impossível não te perdoar. Agora sei que você me ama de
verdade porque me contou tudo o que aconteceu. Vem cá e dá um
abraço na sua mulherzinha...(os
dois se abraçam)
EDUARDO/DUDU –
(dirigindo-se
para Flávia: )
Essa é a verdade, Flávia. Eu não pretendia te magoar sem antes
saber da verdade sobre mim primeiro, mas agora você já sabe:
eu sou bissexual!
FLÁVIA –Eduardo,
por que você não me disse, não se abriu comigo? Nesses dois anos
de namoro você escondeu isso tão bem... Por isso você não queria
mais fazer amor comigo ultimamente.. agora entendo porque você
se afastou de mim nesses últimos meses...
(fala com mais calma: )
Pensando bem, deve ter sido difícil pra você se assumir assim,
depois de tantos anos escondendo isso por causa da família,
amigos e da sociedade...
(fala desconsolada: )E
eu que pensei que nós íamos nos casar e vivermos felizes pra
sempre...
EDUARDO/DUDU –
Sinto
muito, Flávia. A última coisa que eu queria era te magoar...Mas,
ao mesmo tempo, tinha que ser sincero comigo e com você; afinal,
você é uma pessoa maravilhosa e merece ser feliz com um cara te
ame e eu não estou preparado pra nenhum compromisso ainda, tudo
é muito novo pra mim, preciso me assumir e refazer minha vida.
Você me entende?
FLÁVIA –
(fala chorando e cai
nos braços de Dudu: )
Entendo, mas é tão triste... De repente, estou tão sozinha...
ÉRIKA –
(interrompe e diz
para Flávia: )
Minha querida, não chore. Você vai encontrar um bofe pra você.
(ela se lembra de
alguma coisa e diz: )
E por falar nisso, eu já tenho a solução para o seu problema,
não é, Marcão? (dá uma
piscada para Marcão que entende seu sinal: )
MARCÃO -
É verdade.
Sabe, eu tenho um filho mais ou menos da sua idade, do meu
casamento falido com a única mulher que me relacionei na
juventude...antes de eu saber que era gay...Bom, se você eu te
apresento ele. E não precisa se preocupar porque ele é hetero,
viu? Eu acho que vocês dois vão se dar muito bem...
ÉRIKA
– E além disso, ele é um gato...(fala
pegando no rosto de Marcão: )
Mas o meu pavezinho de chocolate é mais gostoso...(dá
uma risadinha cínica para Marcão)
FLÁVIA –
(fala mais conformada:
)
Ai, gente, eu nem sei como agradecer o apoio que vocês estão me
dando... Quando a gente voltar, prometo que farei uma visita pra
vocês dois e quem sabe, posa conhecer o seu filho...
MARCÃO –
é isso aí,
garota, bola pra frente!
EDUARDO
– Mas, você
me perdoa , Flávia? Eu não posso te deixar partir sem saber se
você me perdoa...
FLÁVIA –
Claro que
eu te perdôo. Afinal, você foi sincero comigo antes de darmos um
passo maior na nossa relação... e só por isso eu te agradeço,
pela sua sinceridade. (dá um beijo em Eduardo)
ÉRIKA –
Ai, eu
adoro finais felizes!
MARCÃO
– Pois é, cara, o melhor de tudo é que você se assumiu e agora
já sabe o que quer , e isso é a coisa mais importante na vida de
uma pessoa: ser você
mesmo, sem máscaras,
assumindo seus defeitos e
qualidades.
Então nós
te desejamos boa sorte!
ÉRIKA
– Bom,
agora que está tudo resolvido, que tal irmos todos jantar
juntos? Tem um restaurantezinho aqui perto que é uma graça,
lindo, bem pitoresco, você não acha, Marcão?
MARCÃO –
Lá vem você
com suas extravagâncias de novo, Érika... Tá bom, vamos no
restaurante...
ÉRIKA –
Vamos,
gente, vocês vão ver como é uma gracinha esse lugar... mas a
nossa boate ainda é mais bonita. Bonita, não, divina...
MARCÃO –
Vamos indo,
meu bem...
(e todos saem de cena; o palco
escurece totalmente)
SEGUNDA CENA
(o palco vai se iluminando
aos poucos e mais um dia começa no hotel; Moacir e Josué, o
gerente do hotel, estão na recepção conversando sobre os
hóspedes da noite passada: )
MOACIR –
Pois é,
chefe... Eles eram mesmo muito estranhos. Essa gente da cidade
grande é mesmo muito engraçada, não é?
JOSUÉ –
É, Moacir,
esse pessoal tem umas manias... não sabemos mais nem o sexo das
pessoas hoje em dia. Tem homem que se faz de mulher, mulher que
gosta de homem que não é homem, e tem até alguns que são meio
homem e meio mulher...Já viu isso? É pra dar um nó na cabeça da
gente, né?
MOACIR
– É, chefe...Sinal dos tempos, como dizia minha avó, que Deus a
tenha.
JOSUÉ –
Bom,
Moacir, vou dar uma saída agora porque preciso providenciar
algumas coisas aqui para o hotel. Mas tenho certeza que o deixo
em boas mãos com você, não é mesmo?
MOACIR
– Pode contar com isso, chefe. Posso garantir que tudo vai ficar
bem na sua ausência. Até mais!
JOSUÉ
– Até mais tarde! (e
sai de cena)
(nesse instante, chega na
recepção um casal jovem: )
MOACIR –
Pois não...
posso ajudar?
FELIPE
– Nós queremos um quarto para passar a noite apenas.(ele
parecia muito angustiado, enquanto sua noiva aparentava um ar de
tristeza: )
MOACIR –
Aqui está,
senhor. Eu os acompanho e levo suas malas.
FELIPE
– (interrompendo
Moacir: )
Não
precisa, obrigado. Eu mesmo levo. Venha, Christine.
(eles se dirigem para o quarto
sem trocar uma palavra, enquanto Moacir fica pensando com seus
botões: )
MOACIR –
Mas que
estranho. A atitude dele com ela é muito esquisita... Será que
brigaram?
(nisso, toca o telefone e ele
atende, enquanto vai escurecendo lentamente a recepção; enquanto
isso, o casal no quarto continua sem trocar uma palavra: )
FELIPE – (fala nervoso: )
Christine, eu estava pensando... precisamos conversar.
CHRISTINE
– (senta na cama e
olha para ele muito triste: )
Eu acho que já sei o que você quer falar: é sobre o nosso
noivado, não é? (fala
com decepção: )
Você está desistindo do nosso casamento... é isso?
FELIPE
– (olhando para ela,
diz com firmeza: )
Me desculpe, mas eu não posso fazer isso. Tenho pensado muito
esses últimos dias e agora que faltam apenas duas semanas, eu
estou me sentindo angustiado, não tenho certeza se é isso o que
eu quero pra toda a vida. Você entende?
CHRISTINE –
(fala com
lágrimas nos olhos: )
Você está
me abandonando, Felipe? Depois de tanta coisa maravilhosa que
passamos juntos...É quase impossível imaginar minha vida sem
você agora! Por favor, pense bem e nos dê mais uma chance...
FELIPE –
(responde se
afastando dela: )
Eu...sinto muito, Christine, mas eu não posso fazer isso. Eu te
amo, mas meus sentimentos estão muito confusos... Me perdoe!
(e sai rapidamente do
quarto e de cena, passando por Moacir na recepção, que estranha
essa reação)
(Christine fica sozinha no
quarto, chorando, pega uma caixinha de música com uma bailarina
e começa a imaginar: )
CHRISTINE –
(olhando para a
bailarina dançando: )
Esse foi o primeiro presente que ele me deu...eu guardo com
muito carinho, com o mesmo carinho e amor que sinto por ele.
(fala como num
lamento: )
Felipe...
por que tinha que ser assim? Tantos planos, tantas esperanças,
tanto amor em nossos corações, invadindo nossos corpos, como uma
dança: a dança do nosso amor, que tocava em nossos corações como
uma melodia harmoniosa.(senta
na cama e pega a caixinha de música, olhando a bailarina
dançando: )
Como esta bailarina, que está sempre a dançar...Como eu gostaria
que nossas vidas fossem assim, como uma dança infinita, que não
pára, batendo no ritmo de nossos corações quando se encontraram
pela primeira vez...quando estão juntos... e mesmo que estejamos
fisicamente separados, estaremos unidos... Felipe, onde quer
que esteja, meu amor, pense em mim...(congela
a cena no quarto, com uma iluminação mais fraca, e ao lado, numa
luz azul, aparece uma bailarina dançando; logo após a dança,
congela a dançarina e apaga a luz azul sobre ela e, em seguida,
volta a iluminação normal no quarto em cima de Christine, que é
interrompida por Moacir batendo na porta: )
MOACIR –Moça, está tudo bem?
Precisa de alguma coisa?
CHRISTINE
–(atende a porta e
diz, ainda triste: )
Sim, está
tudo bem, mas obrigada por se preocupar.
MOACIR
– Tudo bem, mas se precisar, é só me chamar.
CHRISTINE
– (agradece e,
fechando a porta, pega na sua bolsa uma foto de Felipe que
continha uma poesia: )
Essa foi a primeira foto nossa; ele me dedicou esta poesia
linda... (começa a
recitar a poesia e depois fala, com muita tristeza: )
Ai, Felipe, que saudades... como eu gostaria que você estivesse
aqui agora...
(nesse instante, congela a cena
e a bailarina, sob a luz azul, começa a dançar novamente; depois
disso, congela a cena da bailarina e volta para a de Christine,
no quarto; ela pega sua caixinha de música e fica olhando
pensativa para a bailarina, enquanto toca uma música suave e em
outro canto do palco aparece Felipe, com a foto de Christine nas
mãos e, muito arrependido, olhando firmemente para ela, diz que
a ama; escurece a cena de Felipe e congela a de Christine; em
seguida, a bailarina começa a dançar novamente, mas desta vez
com um mascarado, que ao terminar, retira sua máscara e se
revela a bailarina, entregando-lhe uma flor; congela essa cena
com luz azul; nisso, Felipe entra subitamente no quarto de
Christine, já iluminado, e os dois se reencontram, com muita
expressão corporal e gestos românticos; ele oferece a ela uma
aliança de casamento e uma flor, como a bailarina e o mascarado,
em sinal de seu grande amor e de seu arrependimento; ela aceita
e os dois se beijam; escurece o palco e vai se iluminando aos
poucos, com o casal já em clima de romance saindo do hotel e
entregando a chave para Moacir: )
MOACIR –Espero
que tenham gostado do quarto.
FELIPE –
Gostamos
muito. E prometemos voltar no ano que vem, quando completarmos
um ano de casados.
MOACIR –
(surpreso: )
Puxa... meus parabéns! Ficaremos muito felizes em recebê-los.
CHRISTINE
– Bem, precisamos ir, meu querido.
FELIPE
– Sim, um casamento nos aguarda: o NOSSO CASAMENTO!
(olhando para Christine:)
Christine, nunca mais quero perder você!(os
dois se beijam e se despedem de Moacir, que fica a pensar: )
MOACIR –
Ai, o amor
é lindo! A melhor coisa que acontece em nossas vidas, por isso
não devemos deixar escapar, pois sem ele não somos completos.
(olha no relógio e
diz: )
Nossa...tenho que providenciar uns papéis que o chefe pediu
antes que ele chegue. (e sai de cena, escurece o palco)
TERCEIRA CENA
(O palco vai se iluminando aos
pouco e o protagonista, Lucas Fontana, entra abruptamente no
hotel; muito nervoso e perturbado, fala para Moacir: )
LUCAS FONTANA –
Quero um quarto para passar a
noite...
MOACIR –
Pois não, senhor. Aqui está: o
201, já está arrumado. Tem alguma bagagem?
LUCAS –
Não, só o que trago comigo.
MOACIR –
Então me acompanhe, por favor. (Moacir leva-o até o
quarto)
LUCAS –
E por favor, não quero receber
visitas inesperadas. (dá uma nota de R$50,00 para ele)
Aqui está para que você não se esqueça disso.
MOACIR
– Obrigado, senhor, mas isso não
é necessário. Pode deixar, eu vou me lembrar.
LUCAS –
Mas eu insisto, pode ficar. Afinal, você me parece ser um
empregado bem dedicado. Encare como um agradecimento antecipado.
MOACIR –
Muito obrigado, senhor. Vou fazer tudo para tornar sua estadia a
melhor possível. (sai e volta para recepção, enquanto a
ação se concentra toda no quarto 201)
LUCAS –
Até que enfim, está tudo
acabado! Agora vou dar uma parada pra relaxar... (pega um
copo com água em cima da mesa e bebe e olha o relógio:)
Nossa... já é tarde. Nunca pensei que fosse demorar tanto neste
trabalho... Das outras vezes, foi mais rápido. Acho que estou
ficando velho pra este negócio...
(senta na cadeira e tira do
bolso um cheque de cinco milhões de reais e pensa consigo mesmo:
)
LUCAS –
Mas também nunca recebi tão bem
de uma só vez... E tudo por causa de um pirralho mimado, filho
de um riquinho da sociedade...(rindo de maneira nervosa:)
Ah, ah, ah... Imagine o que eu
não posso fazer com toda essa grana...(pega uma foto de
jornal do bolso e olha: ) E tudo graças a você, Rodrigo
Menezes, filho do grande executivo Ricardo Menezes...
(rindo com satisfação) quem diria que um pirralho de 13
anos iria me deixar tão rico antes dos 40 anos...Mais dois
trabalhos desse e já posso me aposentar.
(levanta-se e começa a relembrar
seu passado e sua vida como assassino profissional: )
LUCAS –
E pensar que tudo começou por
causa do meu pai...pelo menos serviu pra alguma coisa aquele
traste velho, que só sabia me bater..vivia preso e minha mãe,
coitada... uma alcoólatra de carteirinha... Mas eu sobrevivi e
hoje estou aqui pra contar a história... (gritando: )...
viu, mãe? Sua vaca, você nem sabia que tinha um filho, né?
Mas sabia abrir as pernas todas as noites pra aqueles
mauricinhos... Aqueles riquinhos que te tratavam como uma
privada, porque você era isso pra eles, né?
(revolta-se e começa a chorar: )
Mas, eu estava
lá, mãe, e eu vi tudo isso...Mas não há de ser nada porque agora
esses miseráveis pagam muito bem pra mim e sabe pra quê? Pra eu
dar um fim nos problemas deles. (rindo histericamente: )
É... Eu acabo de vez com todos os problemas deles... E sabe como
eu faço isso? Com um clique! É só apertar e ...BUM! Lá se vai
mais um mauricinho desgraçado... É, mãe... a senhora pode se
orgulhar de mim porque agora quem tem o poder sou EU! Todos
eles, os poderosos, dependem de mim, do meu serviço e eu sempre
sou eficiente. Nesses quase 15 anos de trabalho eu nunca
falhei. E sabe por que? Porque se eu falhasse não estaria aqui
pra contar a história. Então, acho que já deu pra perceber que
eu apago esses desgraçados...ou melhor dizendo, eu os ELIMINO da
face da terra. (pega sua arma e começa a mexer nela: )
É um serviço duro, mas alguém tem que fazer, né? Afinal, acho
que tenho isso dentro de mim, eu herdei do meu pai traficante e
mãe alcoólatra e prostituta.
(fala com ironia: )
Que família bonita, né, mãe?
É de dar orgulho, né?
(de repente, começa a lembrar do
seu último “trabalho”: )
LUCAS –
Mas, pensando bem, esse pirralho
que eu “apaguei” hoje era muito parecido comigo quando tinha
essa idade... Se eu tivesse um filho podia ser ele...mas isso é
impossível! Aquela vagabunda que eu transei há 13 anos e que
disse que engravidou e o filho era meu devia estar mentindo...
Ela deu a criança pra adoção e foi pra uma família rica...como
era mesmo o nome? Acho que era parecido com Menezes...Mas não
pode ser ESSE Menezes... (começa a ligar as coisas: )
Não..é muita coincidência... E mesmo que fosse meu filho,
como eu ia saber? Pra mim é só mais um drogado socialite mimado,
revoltado, adotado e com um pai mafioso ou seja lá o que for...
(começa a se descontrolar: )
LUCAS –
Afinal, se o próprio pai mandou
matar ele, não devia ser boa coisa...Aliás, acho que ele vinha
fazendo umas “coisinhas muito ilegais” ultimamente, pelo que eu
soube do pai... (tenta se convencer) Então, teve o
destino que mereceu! Uma bala certeira bem no meio da testa!
(começa a rir histericamente: ) Ele nem soube de onde
veio aquilo, nem soube que morreu! Ah,ah, ah! (começa a
ficar irritado: ) Mas chega de pensar nisso! Já é fato
consumado. E por mim, eu não estou nem aí pra quem ele era ou
deixou de ser...Eu nunca tive ligação amorosa com ninguém na
minha vida e sou muito feliz assim. Nunca amei e nunca fui amado
e não me importo com nada dessas besteiras, isso é pura perda de
tempo. O amor só escraviza a gente e eu nunca vou ser escravo de
nada nem de ninguém, nunca!
(de repente, ele ouve umas vozes
e se assusta: )
LUCAS –
Quem está aí? (espera um
instante e diz: ) Tem alguém aí? Eu estou armado e se
você tentar alguma coisa vai estar morto antes de pensar
nisso...
(as vozes vão ficando mais
claras e começam a falar todas juntas: )
Assassino! Assassino!Você nos
matou! Agora tem que morrer!
(Ele se assusta e vai ficando
cada vez mais nervoso e histérico e com a arma na mão, começa a
apontar em todas as direções do quarto, gritando: )
LUCAS – Cala a boca, seus
miseráveis! Eu estou no comando aqui. Vocês nem existem mais...
PAREM JÁ COM ISSO!!!
(e as vozes param; e Lucas
começa a surtar: )
LUCAS –
Ah! Eu não disse? Vocês estão
sob o meu comando. Vocês nem existem, é só minha imaginação
porque estou muito cansado, eu só preciso descansar um pouco e
tudo vai ficar bem. (senta na cama e tenta relaxar, mas
está nervoso demais; ofegante e com as mãos trêmulas pega na
arma e diz: ) Este foi meu último serviço. Eu vou sair
do negócio... Amanhã eu começo vida nova...e todos esses
fantasmas vão desaparecer. É...Tenho certeza disso. (fala
olhando para a platéia: ) Afinal, eu Sou Lucas Fontana,
o malandro cheio da grana e sem coração. (fala com ironia:
) Coração? Pra que eu preciso disso? A única vez que
transei com uma mulher e ela pensou que eu a amava, engravidou e
deu no que deu. E eu não sou palhaço de mulher nenhuma.
(nisso, chega
na recepção um homem procurando por Lucas Fontana e Moacir o
adverte para que ele não entre no quarto, mas ele se identifica
como policial e vai entrando; batem na porta e Lucas vai
atender: )
LUCAS – AH,
não... você de novo! O que quer comigo desta vez? (fala
em tom de ironia: )Ah,
já sei: quer saber qual é a minha cor favorita, né? Acertei?
(e dá uma risada na cara do sujeito, que responde
friamente a ele: )
DETETIVE FRANÇA –
Pois é... Eu não resisti e vim até aqui pra ver qual foi seu último
“trabalhinho”...
LUCAS – Eu
já devia saber que você não perderia isso por nada.
(falando com ironia: )
Afinal, você é o “grande e implacável” detetive França, famoso
por perseguir sua presa por 10 anos, não é? Mas, sabe, essa
“presa” aqui já está ficando cansada disso... Até quando você
vai continuar essa perseguição insana por mim, procurando pistas
que não existem? Você nunca vai achar nada contra mim, entendeu?
E sabe por que? Porque eu não fiz nada, ou melhor, nada que se
possa provar....
DET. FRANÇA –
Pode ficar
tranqüilo porque desta vez eu não vim pra te “caçar”, como você
costuma dizer...Na verdade, eu vim porque tenho uma coisa pra te
contar, se é que vai te interessar...
LUCAS – (fica curioso: )Nossa...que milagre! É quase impossível te ver sem uma voz
de prisão ou uma algema pra me acorrentar...mas vamos lá, você
ganhou: desembucha logo que agora eu estou curioso...
DET. FRANÇA –Você
por acaso conhece o grande executivo milionário Ricardo Menezes?
(Lucas faz que sim com a cabeça e ele continua: ) Pois é...Hoje cedo, o seu filho único, Rodrigo Menezes, de
13 anos, foi encontrado morto no banheiro da escola, com um tiro
na testa. Isso por acaso soa familiar pra você?
LUCAS – (responde com ironia: ) Por que? Você acha que eu fiz isso? Não acha, Detetive
França, que está me dando muito crédito?Afinal, eu até hoje só
fui preso por pequenos furtos e posse de drogas...(olha
fixamente pra ele e diz: )
Acho que você está procurando um assassino profissional, não é
mesmo? E eu, como você sabe, sou só um ladrãozinho barato, filho
de um traficante e de uma prostituta alcoólatra...
DET. FRANÇA
– Bom, isso não vem ao caso. Mas só por curiosidade, eu vou te
contar o que descobri dessa família: pelo que descobrimos, o
assassinato do garoto foi encomendado pelo próprio pai dele; e
aí é que vem a parte mais interessante: o garoto era adotado e
como eu sou muito curioso, decidi investigar o passado dele,
como foi adotado e de quem era filho legítimo, sabe, essas
coisas...E descobri que a vagabunda da mãe dele era uma viciada
que trabalhava na empresa do senhor Ricardo Menezes. Você deve
se lembrar, afinal na época vendia drogas pra ela...
LUCAS – (vai ficando nervoso: )
É,pode ser...mas na época eu tinha muitos “clientes”... Mas
já que você começou com isso, quero saber tudo: quem era o pai
desse menino?
DET. FRANÇA –
Você ainda
não adivinhou? (pega um papel do bolso e diz em tom
sarcástico: )
Aqui está a certidão de nascimento dele na qual constam os nomes
dos pais verdadeiros: o nome da mãe era Regina Simões e do
pai...bem, acho que você o conhece, chama-se LUCAS FONTANA!
LUCAS –
(parte pra cima
de França, muito agressivo, gritando: )
Você vai me pagar, seu cretino!
Você pensa o que? Eu vou matar aquele desgraçado do Ricardo
Menezes...Eu vou buscá-lo no inferno se for preciso, mas ele vai
pagar caro...e você também. Está satisfeito? Conseguiu o que
queria, não é?
DET. FRANÇA –
É, você tem razão. Eu consegui encontrar um coração aí
dentro...
LUCAS –
(fala histérico,
descontrolado: )
Eu disse que
não tenho coração, mas ninguém tinha o direito de fazer isso,
NINGUÉM! (completamente descontrolado, começa a surtar:)
Eu matei meu filho...ah, ah, ah... Não é o máximo? Um assassino
profissional matar seu próprio filho e nem sabia
disso...ah,ah,ah... Esse é o maior serviço de toda minha
carreira e o mais importante. (dirigindo-se para o Det..
França: )
Você não acha, detetive? Agora eu vou ficar famoso e vão
escrever um livro sobre mim, ou até mesmo, quem sabe, fazer um
filme sobre a minha vida... e você também vai ficar famoso como
o Detetive implacável, durão, que persegue sua presa até a
morte...ah,ah,ah...(pega a arma que estava em cima da
cama: ) Até
que um dia sua caça vira caçador e aí...(aponta a arma
para ele: )
Que final inglório para um “grande caçador”, não é? Morto por
sua presa...
DET. FRANÇA –
(olhando
fixamente para ele,diz com frieza: )
Mesmo que
você me mate, ainda terei sua confissão gravada. (mostra
um pequeno gravador preso a seu corpo)
Então, terei a prova que sempre procurei para incriminá-lo.
Como dizem no jogo de xadrez, cheque-mate!
LUCAS – Aí é que você se engana...Eu ganhei! (e atira na
sua cabeça)
(Det. França chama Moacir e o
gerente do hotel e logo em seguida, a polícia retira o corpo de
Lucas do local; antes de sair, Moacir pergunta a ele: )
MOACIR –
Detetive, afinal de contas, o que este homem fez para
terminar assim?
DET. FRANÇA –
Simples, meu amigo: depois de passar a vida toda como
criminoso, foi derrotado por seus próprios sentimentos;
descobriu que tinha um coração.
(sai de cena
e Moacir fica divagando sobre o assunto: )
MOACIR –
É... Às vezes nem sabemos quem somos e o que temos dentro
de nós e temos dificuldade em aceitar o nosso verdadeiro “eu”.
A nossa essência é o nosso bem mais precioso, pois nela está
guardado tudo que somos e sentimos. (olhando no relógio:
)Nossa... já
é tarde. Espero que esteja tudo pronto para os nossos próximos
hóspedes.(entram em cena duas mulheres e duas crianças: )
E por falar nisso, aí vem eles...
QUARTA CENA
MOACIR –
(dirigindo-se
para a mais moça: )
Pois não, senhora...Foi a senhora que ligou ontem fazendo reserva?
FERNANDA – Eu mesma. Espero que o quarto já esteja pronto porque
nós estamos muito cansadas, não é mamãe?
RUTH – É, sim, a viagem foi longa e precisamos descansar um
pouco até amanhã, principalmente as crianças.
MOACIR – É claro, senhora. Aqui está a chave do quarto e deixe
que eu levo suas malas.
(vão até o
quarto e D. Ruth agradece a Moacir que volta para a recepção;
escurece a recepção e ilumina-se apenas o quarto)
FERNANDA –
E vocês dois, vê se vão se comportar direito, viu?
MARIANA – Tá bom, mãe.
DANIEL – A gente sempre se comporta bem, né, Mariana? (e
começam a brincar de videogame)
D.RUTH – Pode deixar, filha, eu tomo conta deles.
FERNANDA –
(dirigindo-se
para a mãe: )Não,
mãe, a senhora não toma conta, a senhora mima eles demais.
Quando vai aprender a lidar com essas crianças? Elas te fazem de
boba o tempo todo e o pior é que você permite isso. Quando eu
tinha essa idade, não tinha toda essa liberdade...
D. RUTH –
Você sabe que eu adoro meus netos e se você se lembrar bem,
eu também te dava a mesma atenção que dou pra eles agora.
FERNANDA –
Tá bom, mãe. Mas agora o que eu mais quero é tomar um banho
e dormir porque amanhã viajamos cedo. (verifica o
banheiro : )
Ai, mais que hotel porcaria esse aqui, nem tem um chuveiro
decente e nem sais de banho. E eu que pensei que era pelo menos
um 3 estrelas... Aposto que não tem nem uma comida
decente...Bom, com todo esse desconforto vou tentar tomar um
banho.
MARIANA – Pra variar, a mamãe está sempre reclamando, né, vó?
DANIEL – Eu até que achei o hotel bem legal, bem simpático...o
que você acha, vó?
D. RUTH – A sua mãe é assim mesmo, meninos. Sempre foi muito
exigente com tudo, desde pequena, e um pouco excêntrica também.
(fala com um sorriso: )
Ainda bem que nisso vocês não puxaram a ela. Mas, no fundo, ela
só quer o bem de ambos e se esforça muito para dar o melhor para
vocês dois.
(de repente,
Fernanda sai do banheiro e começa a gritar e reclamar: )
FERNANDA –
Mas a senhora não perde a mania de falar de mim, né? Onde
já se viu, fica aí falando para os meus próprios filhos que eu
sou isso, sou aquilo...É por isso que eles não me respeitam
mais, porque a senhora vive colocando essas idéias na cabeça
deles sobre mim.
MARIANA – Pára com isso, mãe. A vovó só estava contando pra nós
como você era quando criança.
DANIEL – É isso aí. Pelo menos ela dá atenção pra gente, tem
tempo pra nós; mas você está sempre trabalhando nos seus
projetos de decoração e nem sequer sabe o que a gente faz, do a
gente gosta, nem conhece nossos amigos...
FERNANDA – Mas o que é isso? Eu estou sendo apedrejada pelos meus
filhos? (dirigindo-se para D. Ruth: ) Está vendo o que esses monstrinhos estão fazendo comigo?
Era isso que você queria, mãe?
D. RUTH –
(tentando
acalmar a situação: )
Calma, filha. E vocês dois, fiquem calmos também, sua mãe está
muito cansada da viagem. (olhando para Fernanda diz: )
Fernanda, eles são só crianças, releve isso, por favor.
FERNANDA – Eu não vou relevar nada. Eles é que tem que aprender a me
respeitar. É tudo sua culpa, mãe, fica fazendo a cabeça deles
contra mim.
MARIANA –
(fala alterada:
)
Mãe, pare
de ofender a vovó, porque ela é a única que gosta de nós e se
importa conosco.
DANIEL
– É isso mesmo. Você nunca está presente quando precisamos.
Ela é a nossa verdadeira mãe.
D. RUTH –
Crianças, parem com isso. Já basta!
FERNANDA – Então é isso: sou apunhalada pelas costas pela minha mãe
e pelos meus filhos? Ótimo, é bom saber o que vocês pensam
realmente de mim. (e sai de cena indignada, em direção ao
banheiro.)
D. RUTH – Acho que vocês dois foram longe demais desta vez. Vocês
magoaram sua mãe e agora ela pensa que eu estou contra ela.
Vocês vão ter que se desculpar...
MARIANA – Mas, vó, tudo que nós dissemos é verdade. Por que,
então, se desculpar?
DANIEL – É isso mesmo. ELA é que tem que pedir desculpas pra
senhora. Puxa, vó, parece que ela não gosta da senhora...Por que
ela te trata tão mal?
D. RUTH –
Sabe, meninos, vou contar uma coisa pra vocês, mas me
prometam que vão guardar segredo.
MARIANA E DANIEL –
Nós prometemos!
D. RUTH –
Sabe, quando sua mãe era pequena, tinha muitos problemas,
pois nós tínhamos uma vida difícil. Mas mesmo assim, eu e seu
avô, que Deus o tenha, trabalhamos e demos muito duro para ela
ter uma boa educação. Nós a colocamos na melhor escola da época,
mesmo sendo difícil com o que a gente ganhava, pagar todo mês.
Por causa disso, ela sofria muita discriminação por parte dos
colegas, que viviam zombando dela, por ela ser pobre. Afinal,
ali só tinha filho de gente muito rica. Um dia, quando estava já
com 17 anos, ela voltou pra casa chorando. Eu perguntei o que
era e ela disse que seus colegas haviam zombado dela, dizendo
que ela não iria participar do baile de formatura, já que estava
no último ano do 2º grau. Eu perguntei por que e ela respondeu
que não tínhamos dinheiro para os convites e nem mesmo para ela
comprar uma roupa decente. Vocês não imaginam como eu fiquei com
o coração apertado de ver minha única filha assim tão triste. Eu
comecei a pensar o que poderia fazer para ajudá-la e naquela
mesma noite conversei com seu avô sobre isso. Então, lembrei da
única coisa de valor que nós possuíamos: nossa casa era humilde,
mas valia algum dinheiro. No dia seguinte, fomos até o banco,
pedimos um empréstimo e demos nossa casa como garantia. Eles
concordaram e imediatamente, fomos na melhor loja de roupas da
cidade e compramos um lindo vestido de formatura para sua mãe e
um traje completo para cada um de nós. Aí, fomos até a escola e
compramos a melhor mesa da festa. Naquela noite, quando ela
chegou em casa, teve a maior surpresa. (fala emocionada:
) Nunca vou
esquecer a cara de felicidade dela quando viu o vestido em cima
da cama. Ela chorou de alegria e nós dois ficamos muito felizes
por poder proporcionar a ela essa felicidade.No dia da
formatura, ela era a mais bonita e seus olhos brilharam quando
foi até o palco receber seu diploma. Como sentimos orgulho de
nossa filha...Foi o melhor dia de nossas vidas.
MARIANA – Mas a senhora nunca contou pra ela sobre a casa, vó?
D. RUTH –Não, ela nunca soube e nem vai saber.
DANIEL – É, afinal era o seu único bem na época...
D. RUTH – Eu sei, filho, mas às vezes precisamos abrir mão do
nosso único bem em prol dos que amamos e que nos são mais
preciosos do que qualquer coisa material. Nada no mundo paga o
amor e a felicidade de um ente querido, principalmente um filho.
Um dia você vai ser mãe, Mariana, e aí vai entender o que estou
te dizendo agora. E você também, Daniel. (fala
conformada: )
E depois, nós conseguimos pagar tudo ao banco, com a graça de
Deus e hoje estamos muito bem; nosso esforço não foi em vão.
MARIANA – Mas não é justo. A senhora e o vovô se sacrificaram
tanto por ela e ela fica maltratando a senhora assim...
DANIEL – Se ela soubesse disso, ficaria envergonhada de brigar
tanto com a senhora.
D. RUTH – Mas ela não vai saber e vocês prometeram não contar. O
que eu fiz faria novamente hoje se ela precisasse, pois o
verdadeiro amor é ilimitado, não se mede nem se cobra. É a única
coisa que levamos conosco quando partimos, é tudo que importa. E
é essa lembrança que nos faz permanecer vivo no coração das
pessoas que amamos.
(de repente,
Fernanda, que estava ouvindo tudo atrás da porta do banheiro,
entra e começa a chorar:)
FERNANDA –
Perdão, mamãe, perdão.Eu nunca soube disso. Você me perdoa?
D. RUTH – Minha filha, não tem nada para perdoar. Afinal, você é
minha filha e eu te amo como você é e sempre vou amar...assim
como meus dois netos queridos.
FERNANDA – Acho que eu nunca te disse isso, mas eu também te amo
muito, mamãe! (e todos se abraçam, emocionados)
FERNANDA –
E de agora em diante, vou estar sempre com vocês, prometo.
(falando com os dois filhos: )Não vou deixar vocês dois por nenhum trabalho.
DANIEL – Que bom ,mãe. Era tudo que a gente queria ouvir de você.
MARIANA – Nós te amamos muito e sentimos sua falta.
FERNANDA – Eu também amo muito vocês. (começa a brincar com
os dois: )Agora,
vem cá que eu quero dar uma mordida na sua barriga....
D. RUTH – Agora seremos uma família de verdade.
FERNANDA – Isso é uma promessa que faço a vocês.(e
dirigindo-se aos filhos: )
E agora, quem quer sair e comer fora? Podem pedir o que
quiser...
MARIANA – O que eu quiser? Ai, acho que vou querer batata frita.
DANIEL – E eu quero sorvete de chocolate depois da janta.
D. RUTH – Tá bem, mas não vão exagerar, hein...
FERNANDA – Vamos comemorar a união da nossa família. Vamos lá que
eu vi um restaurante ótimo aqui perto quando chegamos.
(e todos
saem de cena; Moacir está na recepção e começa a conversar com o
público: )
MOACIR –
É...Pelo visto, mais clientes satisfeitos. Sabem, cada vez
que isso acontece eu sinto uma alegria imensa por estar vivo e
compartilhar dessa felicidade com as pessoas que passam por
aqui. Pois são esses sentimentos que nos enriquecem e fazem a
nossa luta diária, nossas decepções e conquistas, tudo enfim,
valer a pena. Porque o que importa mesmo é ser esse ser humano
maravilhoso que você é a cada dia de sua vida, transformando as
alegrias e superando as tristezas. Por isso, ame sempre e
intensamente a sua vida, pois ela é um presente de Deus para
nós.
E nunca se
esqueça que apesar de tudo...A VIDA CONTINUA...
FIM
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